domingo, 18 de novembro de 2018

Não vivo nem nunca vivi em Estremoz, mas senti como sempre ali tivesse pertencido, por Carlos Feliciano Serra

Não, Mário Oliveira

Não vivo nem nunca vivi em Estremoz. 



É a terra do meu Pai e toda a minha família paterna. 
Por exemplo o Mário Casaca
Muito cedo, aos 4/5 anos comecei a ir de férias para Estremoz com os meus primos, verdadeiros ídolos da minha infância. 
Tardei em voltar após aquela tenra idade, mas uma vez a caminho de Madrid, em 1984, decidi entrar, pois de pouco me recordava e foi então que algo de verdadeiramente incrível aconteceu. 

Senti-me como se sempre ali tivesse pertencido. 
Como se fosse parte daqueles cantos e recantos, aspirando aquele frio ou calor que só quem ama aquela Terra sabe desfrutar. 

De então para cá, agora com menos frequência, pois até há bem pouco mensalmente. 
Aquele sentimento determina que muitas vezes ás 7,00 da manhã, aos sábados já ai esteja, ido de Lisboa, para assistir ao armar das bancas na praça, comprar uma cabeça de brinhol para comer com um café o que até há alguns anos fazia no Central (antigo besouro), hoje loja de chineses. 
Efectuar compras de legumes e hortaliças no Henriques, carne e enchidos no Marangas, bolos vários, queijos á D. Joana (Queijaria Carlos) que sempre tem um queijinho para a menina, minha filha hoje com 27 anos, enchidos de porco preto no Arroz, pão a lenha de qualquer padaria e depois ficar por ali até á hora de almoço, simplesmente a respirar Estremoz, como costumo dizer. 

À hora de almoço é rumar, preferencialmente à do meu saudoso amigo Isaías, que conheceu os meus filhos desde que nasceram, não sem que antes ainda compre mais algumas iguarias no talho do Fernando Borralho. 

Até alguns anos era ainda obrigatório o cumprimento ao Mestre Didiu. 

Depois de almoço é rumar á igreja de Santiago e partilhar algumas orações com um grupo de senhoras idosas que há algum tempo não vejo. 

No regresso e depois de um curto passeio junto ás muralhas uma visita à Quinta D. Maria cuja arquitectura e organização de espaço não me canso de apreciar. 



Saída, sempre com pena, para regresso a casa mas com o carro cheio de verdadeiros manjares dos Deuses em que incluo coentros, oregãos e poejos, que mais tarde hei de partilhar com o meu Pai, que nesse mesmo dia começam a apresentar elevado desgaste de stock. 

Pelo caminho agradeço a Deus que me permite usufruir e ser tratado nessa Terra que adoptei e hoje sinto como se fosse meu berço e aos Estremocenses que "sorrindo ás dificuldades" têm mantido aquela cidade tão agradável sendo que melhor é sempre possível e desejável.

O Rosa, figura carismática do CF de Estremoz, por Carmen Movilha

Transcrito por Jose Capitao Pardal 
O Rosa, Figura carismática do C. F. de Estremoz...
por Carmen Maria Lopes Movilha



O Rosa era um senhor alto de feições finas, nariz um pouco adunco, muito aprumado, culto e educado no trato. 
Constava que teria tido um bom berço e muit...os mimos familiares. 

Ouvi falar mais tarde que o Rosa na sua juventude teria sido um bom futebolista e que teria jogado no Clube de Futebol de Estremoz à época, mas que por diversas vicissitudes a sua carreira tinha sido curta, apesar de ser muito talentoso para as artes do futebol, mas talvez os tempos não fossem de feição para grandes voos e para grandes sonhos. 

Lembro-me do Rosa estar sempre atento e pronto a dar o seu testemunho aos resultados futebolísticos do seu Estremoz.

Conheci o Rosa quando eu tinha cerca de 12 anos de idade. 
A sua vida já estava no ocaso. 
Na minha observação via-o a fazer pequenos recados para o restaurante lá da rua, ia buscar e levava numa grande alcofa os legumes, as carnes e o peixe, assim como o tabaco, e mais um sem fim de pequenas tarefas, isto tudo a troco do almoço e do jantar, o Rosa lá ia sobrevivendo.

A sua grande paixão era o cinema e com as pequenas gorjetas que lhe davam lá ia o Rosa todas as terças, quintas, sábados e domingos ao Teatro Bernardim Ribeiro ou no Verão á Esplanada Parque ver os filmes do Gardel, de cowboys, ou os grandes clássicos como os Canhões de Navaroni ou E Tudo o Vento Levou. 

Ficava sempre na primeira fila da geral e não perdia "pitada" dos dramas, das lutas, ou das paixões, tudo depois era relatado em forma de enredo nas noites de amena cavaqueira no café também da minha rua.

O Rosa na sua idade adulta tinha sido um bom e habilidoso sapateiro arranjando todo o tipo de calçado, metendo capas, tacões ou meias solas. 
Deixavam-no dar asas á sua arte numa pequena oficina também ocupada por outros dois sapateiros. Era uma casa baixinha e modesta só de rés-do-chão, tendo só uma pequena porta, e não tendo janelas.

O Rosa também tinha um pouco a mania das doenças, bastava perguntarem-lhe como estava, para ele começar a enumerar logo ali um rosário de queixas e maleitas que poria os cabelos em pé a qualquer médico.

O Rosa tinha o hábito de dormir sempre uma pequena sesta na oficina após o almoço, e para tal sentava-se na sua pequena cadeira e ali dormia pelo menos uma hora, dizia ele que era para retemperar forças. 

Ora num belo dia pelo Entrudo os colegas e os vizinhos da pequena rua pensaram fazer-lhe uma partida. 
Deixaram que ele adormecesse como era hábito e então fecharam a porta ficando a oficina em total escuridão e lá dentro começaram a bater solas com grande vigor, como se estivessem a trabalhar. 
O Rosa acordou com todo aquele alarido e abrindo os olhos não conseguia ver nada pois estava tudo numa grande escuridão, mas ouvia os colegas a trabalhar e a falar, e como tinha a mania das doenças, lá começou a gritar e a chorar que estava desgraçado pois tinha cegado, e que tinha razão no que dizia, a doença tinha tomado conta dele. 
Depois de tamanho alarido lá lhe abriram a porta e ele lá viu que estava bem. 
Foi uma risota geral, a partida espalhou-se pela cidade e não se falava em outra coisa. 
Tinham pregado uma bela partida ao Rosa.

Passados estes anos todos o Rosa ainda faz parte do meu imaginário, lembro-me dele com saudade, e com muita ternura. 
Era uma boa pessoa e fez parte de uma época da cidade de Estremoz. 
A minha homenagem a este senhor. 
Já partiu para outra dimensão, onde quer que esteja desejo que esteja em paz. 

Até um dia Rosa.

Carmen Movilha
Novembro de 2013